sexta-feira, 29 de maio de 2015

Os amantes de Verona

 Em 1596, a juventude inglesa chorava o infortúnio de Romeu Montecchio e Giulietta Capuleto, o casal apaixonado de Verona que sucumbiu a intrigas familiares e acabou cometendo suicídio. Christopher, um adolescente de Stratford-on-Avon, inconformado com o desfecho, decidiu reescrever a história, evitando a tragédia: os amantes se salvariam e seriam felizes para sempre.
Ao mergulhar na escrita, criou uma Julieta tão bela que não resistiu a seus encantos e se apaixonou pela criatura. Desejou-a durante meses, mais próxima a cada palavra, mais palpável a cada parágrafo, mais sua a cada capítulo. Em intensidade cada vez maior, percebeu-lhe o aveludado do rosto, enquanto a acariciava na pele do papel. Ao luar, sentiu o perfume de seu hálito de mel nos versos que compunha. Na cama, desnudou-a com o carinho que a tinta conferiu ao corpo imaginado. Autor e personagem se mesclaram até que a fronteira entre eles ruiu. Enlouquecido, Christopher resolveu conquistar em definitivo a veronense. Abandonou Stratford e desapareceu dentro da obra.
Uma pessoa descobriu seu paradeiro. William, amigo e confidente, leu as páginas já escritas, ligou o fato à ficção e entendeu o sumiço. Para comprovar, acrescentou algumas frases ao texto em andamento e pediu notícias. A resposta brotou nas linhas seguintes, saindo do vazio, letra a letra.
Christopher cumprimentou William pela perspicácia, exigiu segredo a respeito do plano, contou suas andanças por Verona, revelou que já mantinha contato com a jovem Capuleto, na realidade muito mais bela do que supunha. Ela correspondia à corte, embora desconfiasse que talvez tentasse usá-lo para provocar ciúme em Romeu. Desse dia em diante, sucederam-se quatro capítulos sobre a evolução da conquista. 
De repente, a reviravolta. Christopher, no meio da narrativa, enviou uma mensagem de desespero:
“Tire-me daqui, William. Eles vão me matar.”
Enquanto as palavras secavam, William não soube o que fazer. A folha retorceu, cresceu para os lados, ocupou o piso e, das letras, materializou-se um corpo com dois punhais cravados às costas. William, num tardio gesto de ajuda a Christopher, removeu as lâminas ensanguentadas. Ao arrancá-las, notou as iniciais gravadas em cada cabo: no mais trabalhado, coberto com cristal rosa, GC; no outro, com uma esmeralda bem corada, RM.
William assumiu o lugar do morto e continuou a escrever a história. Em vingança pelo amigo, quando os amantes de Verona pareciam a um passo do sucesso, não os poupou do encontro com o destino.

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