Você quer conhecer o passado de Minas
Gerais, quer saber como eram nossas terras, habitantes e costumes quando pouca
gente morava em nosso
Estado , quando nossas matas estavam quase intocadas, quando
ainda tínhamos índios botocudos isolados na região do rio Mucuri e cada metro
quadrado de nosso solo revelava novas espécies de animais e de plantas? Pois
existe uma bibliografia razoavelmente extensa sobre esses primórdios, deixada
sobretudo pelos viajantes europeus que aqui vieram após a abertura dos portos.
Entre eles, está Auguste de
Saint-Hilaire, botânico e naturalista francês que nos visitou entre 1816 e
1822, ao redor dos quarenta anos de idade. Culto, curioso, aventureiro, sem
travas na língua, conservador como ele só, legou-nos observações saborosas,
mesmo hilariantes, colhidas em suas numerosas incursões pelo país, do Rio
Grande do Sul a Goiás. Elegeu, porém, Minas Gerais como sua província favorita.
Admirava os mineiros, pessoas diligentes, trabalhadoras, honestas. Reservou
palavras nada lisonjeiras para os paulistas. Esteve nas nascentes do São
Francisco, cruzou a Mantiqueira, foi ao Distrito Diamantífero, conheceu o
Jequitinhonha.
Contou em detalhe quanto pagava pela
comida, pela hospedagem, pelos serviços que lhe eram prestados. Coletou
milhares de plantas, descreveu como e para que eram usadas e, precoce pirata
biológico, enviou várias delas para a França e suas colônias.
Para mim é sempre um choque reler sua
derradeira anotação de viagem, datada de 1822, repleta de humor e precisão,
quando Saint-Hilaire tinha quarenta e três anos de idade, enquanto, ao mesmo
tempo, vejo no frontispício do livro seu retrato já velho, perto da morte. Um
choque. O homem que, com vivacidade, falava comigo sobre o término da segunda
viagem a Minas Gerais e reclamava da condição de nossas estradas, está
enterrado há cento e sessenta anos.
Eis a estranha magia dos livros:
atravessam o tempo com seus personagens a tiracolo. Graças a eles,
Saint-Hilaire não morreu e não permitiu que a memória da antiga Minas Gerais
desaparecesse. Além disso, seu relato continua saboroso.
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