sábado, 23 de maio de 2015

Literatura não é ciência

        A teoria da literatura explora o modo de ser da obra literária, isto é, suas propriedades, sua diversidade, o processo de criação e recepção, as congruências e diferenças estruturais e históricas da literatura. Complicado? Eu acho que sim. Complicadíssimo.
          Fica ainda mais complicado quando se adicionam as várias correntes formadas a partir desses conceitos (como os positivistas, neopositivistas, estruturalistas, historicistas, semióticos, estéticos, hermenêuticos, intertextuais, indeterminados etc etc), cada corrente com seu ponto de vista, cada uma disposta a bombardear as oponentes. A confusão aumenta quando outros tentam transformar o estudo da literatura em ciência, ou seja, tentam amarrar a literatura a regras, princípios e uniformidades que não lhe são próprios.
          Escrever é um gesto caótico, em que o escritor muitas vezes não sabe aonde quer chegar, tampouco, na chegada, sabe se atingiu o objetivo. Como disseram os poetas, os versos são inúteis, uma inutilidade que transforma e seduz. O melhor a fazer é curtir a leitura, cada qual à sua maneira, pois há tantas maneiras de se perceber o texto tantos são os leitores. A literatura precedeu a ciência do caos.
          Outros alegarão, entretanto, que minha ideia faz parte de uma teoria desenvolvida no século 20, teoria que visa classificar os textos dentro de parâmetros que desembocaram na ciência da literatura. Confuso? Confusíssimo. Quando escrevo ou leio, não penso em teoria, em ciência. Penso na arte. No prazer. Na estética. No personagem. No enredo. Nas figuras de linguagem e na linguagem em si. Na sabedoria do autor. Na sonoridade. Na melhor palavra. Na imensa alegria de mergulhar em mundos que parecem, mas não são, ou são, mas não parecem ser. Nada disso precisa de ciência, apenas de sensibilidade. Sensibilidade para capturar a ficção da realidade. O mundo é a ficção de cada um. Escritores simplesmente falam da sua fantasia.    


7 comentários:

Caio disse...

pois é giffoni, vc tocou na questão que põe professores de teoria em pânico...quando fiz letras, no curso de graduação, me afastei da linguística e da teoria da literatura, que eram matérias por demais herméticas, do demo, num contexto de ditadura militar. me especializei, na época, em alemão, me formando em língua e literatura dessa língua. só que, no finalzinho do curso, dei a sorte de fazer uma teoria literária com grande professora, marília rothier cardozo, do rio de janeiro, e minha prova final foi publicada no suplemento mg. comecei então a me focar na teoria da literatura no mestrado, em função de nossa grande literatura, e fiz dissertação sobre o Dantas Motta, como vc sabe. A teoria me trouxe anjos e demônios. Sem ela, pouco iria me aprofundar em vários livros, e passar pro meus alunos o que aprendi. Claro que houve também os demônios, que procuro exorcizar, escrevendo também. è possível dar notícia do caos, sem a pretensao de organizá-lo. abração.

Anônimo disse...

Primo,
Quando era adolescente e estudava piano, disse pra minha mãe que estava cansada de estudar escala musical. Queria era tocar Vinícius, Toquinho, Tom, Chico, Noel (sempre tive bom gosto musical) e ela sabiamente me disse: “Primeiro estude museologia, depois queime o Louvre”. Gosto muito de estudar teoria literária pq tenho uma ‘visão por dentro da obra’, como se assistisse a uma peça pela coxia e não na plateia. Isso me fascina. Contudo, na hora que sento pra escrever, não penso nada do que aprendi. Segui o conselho de mamãe: queimei o Louvre. Beijos, Carla Giffoni

BlogdoLuísGiffoni disse...

Carla querida, por que você, da mesma maneira que na escrita, também não queima o Louvre ao pensar na literatura quando tenta teorizá-la? rs. Beijos

BlogdoLuísGiffoni disse...

Caro Caio, a gente vive entre anjos e demônios. Proponho que nos livremos dos demônios e fiquemos apenas com os anjos bons, como Dantas Motta. O caos, esse sempre estará a nosso lado. Vem da natureza das coisas. Abraço

Afonso Baião disse...

Pois é, Luís, você toca no ponto: o ponto G do prazer do texto, que não há teoria que explique e que só pode vir do toque mágico dos demônios da criação, sempre a bouleversar os planos do escritor. Beleza seu blog, passo a segui-lo!

BlogdoLuísGiffoni disse...

Caro Afonso, o ponto G, às vezes, se encontra em cada página que a gente passa com os dedos. é realmente o toque mágico, como você bem disse. Abraço

Terezinha disse...

Pois é. E tem gente que fala de inspiração. Coisa que só vem quando a gente tenta se juntar ao caos, juntar os cacos. Pactuar com os demônios.