quinta-feira, 14 de maio de 2015

Boeing em queda livre

O avião canadense decolou de Seoul, na Coreia do Sul, para Vancouver, no Canadá, às cinco da tarde. Quase trezentas pessoas a bordo. Minha mulher e eu ocupávamos a penúltima fileira, à frente de um simpático casal de portugueses. Quando íamos jantar, o piloto ordenou que aeromoças e passageiros se assentassem e afivelassem os cintos. Havia forte turbulência pela frente.
          O que se seguiu não foi turbulência, mas um rodeio de peão em cima de touro bravo. O Boeing 777 despencou sobre um colchão de ar duro, sofreu um baque, subiu, caiu, adernou à direita, estremeceu, subiu de novo. Então veio a queda livre. Sem fim. Depois de bater no fundo, pela janela vi o avião literalmente bater as asas para voar. Elas quase se dobravam e tocavam uma na outra. Moviam-se quais as de um pássaro ferido, prestes a entregar os pontos. Maleiros se abriram, objetos tombaram, garrafas caíram, vidros se espatifaram. Nesse momento, aconteceu o primeiro grito de pavor.
          Dizem que o pânico contagia. Sim, é verdade. Em questão de segundos, o avião inteiro berrava, uivava, gania, clamava aos céus. Parecíamos viver os últimos momentos. Olhei para minha mulher. Ela cruzara as mãos e, cabisbaixa, as apoiara entre as pernas. Brinquei, para espantar o medo:
          – Puxa, meu bem, nunca imaginei que iríamos morrer no meio do Pacífico...
          Seu olhar me queimou mais que fogueira da Inquisição.
          Durante outro mergulho sem fim, o português no banco de trás se rendeu ao terror:
          – Mariiiia, desta vez fomos!
          Não, não fomos. Novo baque, nova sobrevida, nova queda:
          – Mariiiiiiiiaaa, desta vez vaaaamos! Adeus, Mariiia!
          – Adeus, Manoel, amor meu!
          Olhei para o lado. Um garoto coreano rolava seu carrinho Matchbox sobre os assentos, alheio à balbúrdia, alheio ao medo, alheio até à mãe, que se descabelava.
          De repente, tudo acabou. Melhor dizendo, acabou a turbulência. Sobrevivemos. Vi o céu – o belo céu deste mundo em fim de tarde.

          Não consegui jantar. Meu assento ficava junto aos banheiros, a fila era enorme, e várias pessoas exalavam o mau cheiro de quem não se segurara. Havia manchas nos traseiros. Ninguém se sentiu constrangido. O preço era baixo para tanto alívio.            

3 comentários:

Terezinha disse...

A vida vive fazendo isso com a gente.
De repente, sem avisar, ela traz a turbulência. E outra. E mais outra.
Enquanto isso, estamos vivos. Até quando vier a derradeira.

Terezinha disse...

A vida vive fazendo isso com a gente.
De repente, sem avisar, ela traz a turbulência. E outra. E mais outra.
Enquanto isso, estamos vivos. Até quando vier a derradeira.

BlogdoLuísGiffoni disse...

Espero que a derradeira chegue daqui a 100 anos...