terça-feira, 26 de maio de 2015

Desafio radical na neve - uma aventura

         Imagine uma cordilheira dentro de outra. Imagine dezenas de picos nevados com mais de cinco ou seis mil metros de altitude, reunidos num perímetro de 165 quilômetros. Essa cordilheira existe. Fica no meio dos Andes peruanos e se chama Huayhuash. Atravessá-la é um desafio radical. Num único dia, saí de uma densa mata de quenuales a três mil e quinhentos metros de altitude, cheguei à neve a cinco mil e dormi a quatro mil na puna andina. Encontrei por lá gente de trinta países, nenhum brasileiro.
          Huayhuash é uma aventura que marca não apenas pela beleza, também pela diversidade de clima, relevo, plantas e animais, pelos lagos cristalinos, pelo estrondo das avalanchas, pelo silêncio da noite, pela pureza do ar, pelo vento que arrasta e congela. Nem pense em ir, se você gosta de conforto. Barraca é o único hotel.
          Aliás, Huaywash tem o som, em inglês, de “why wash” ou “por que se lavar?”. Ao percorrer suas trilhas, o que demora doze dias, é difícil tomar banho. Os riachos que descem das geleiras não convidam para mergulhos. O risco de morrer de frio é real. Na única fonte termal que encontrei, ao pé de um vulcão, tive a companhia de uma nevasca que me roubou a coragem de sair do poço quentinho. Sempre que o céu se abria, montanhas com nomes sonoros e estranhos brilharam ao sol, brancas de doer: Yerupajá, Jirishanca, Ninashanca e Siula. O Siula, aliás, foi palco da façanha relatada no livro “Tocando o vazio”, prova da enorme capacidade de resistência do ser humano.
          Huaywash, de tão remota e selvagem, foi esconderijo do Sendero Luminoso, o famoso grupo guerrilheiro peruano. Sendero Luminoso, ou Caminho Luminoso, seria um nome apropriado para a cordilheira. Ali se veem todas as possíveis nuanças de luz, sobretudo aquela que, lá no alto, onde o ar rarefeito embevece o cérebro, parece brotar de dentro da gente e iluminar o presente, o passado e o futuro, revelando a imensa curtição de estar neste mundo. À luz de Huayhuash, a vida pulsa através de todos os tempos num único momento. Um eterno momento.

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