Imagine
uma cordilheira dentro de outra. Imagine dezenas de picos nevados com mais de
cinco ou seis mil metros de altitude, reunidos num perímetro de 165 quilômetros .
Essa cordilheira existe. Fica no meio dos Andes peruanos e se chama Huayhuash. Atravessá-la
é um desafio radical. Num único dia, saí de uma densa mata de quenuales a três
mil e quinhentos metros de altitude, cheguei à neve a cinco mil e dormi a
quatro mil na puna andina. Encontrei por lá gente de trinta países, nenhum
brasileiro.
Huayhuash é uma aventura que marca não
apenas pela beleza, também pela diversidade de clima, relevo, plantas e
animais, pelos lagos cristalinos, pelo estrondo das avalanchas, pelo silêncio
da noite, pela pureza do ar, pelo vento que arrasta e congela. Nem pense em ir,
se você gosta de conforto. Barraca é o único hotel.
Aliás, Huaywash tem o som, em inglês,
de “why wash” ou “por que se lavar?”. Ao percorrer suas trilhas, o que demora
doze dias, é difícil tomar banho. Os riachos que descem das geleiras não
convidam para mergulhos. O risco de morrer de frio é real. Na única fonte termal
que encontrei, ao pé de um vulcão, tive a companhia de uma nevasca que me
roubou a coragem de sair do poço quentinho. Sempre que o céu se abria, montanhas
com nomes sonoros e estranhos brilharam ao sol, brancas de doer: Yerupajá,
Jirishanca, Ninashanca e Siula. O Siula, aliás, foi palco da façanha relatada
no livro “Tocando o vazio”, prova da enorme capacidade de resistência do ser
humano.
Huaywash,
de tão remota e selvagem, foi esconderijo do Sendero Luminoso, o famoso grupo
guerrilheiro peruano. Sendero Luminoso, ou Caminho Luminoso, seria um nome
apropriado para a cordilheira. Ali se veem todas as possíveis nuanças de luz,
sobretudo aquela que, lá no alto, onde o ar rarefeito embevece o cérebro,
parece brotar de dentro da gente e iluminar o presente, o passado e o futuro,
revelando a imensa curtição de estar neste mundo. À luz de Huayhuash, a vida
pulsa através de todos os tempos num único momento. Um eterno momento.
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