terça-feira, 12 de maio de 2015

A porta geométrica da alma

        As seis conferências que Italo Calvino faria em Harvard em 1985, por sinal nunca apresentadas, devido à sua morte, deram origem ao pequeno livro chamado Seis Propostas para o Próximo Milênio. Calvino abordou as seis qualidades que considerava essenciais à boa literatura: leveza, rapidez, exatidão, visibilidade, multiplicidade e consistência. Não chegou a escrever sobre a consistência, acometido de letal hemorragia.
          Uma dessas qualidades me chama a atenção: a multiplicidade. Num mundo em que buracos negros, big bangs, genomas, retrovírus, neurônios, operações de swap e hedge, ipos e paradigmas frequentam nossas casas com a assiduidade da internet e da telenovela, a literatura não pode deixar de refletir sobre esses temas.
        A literatura retrata o tempo em que é produzida. Para melhor fixar sua época, o escritor precisa mergulhar até o pescoço nas crenças, crendices e fatos que o rodeiam, necessita absorver o máximo possível do espírito e da ciência em voga, deve processar tudo e tentar transmitir a outras gerações sua visão de mundo. Carece, portanto, tornar-se especialista em generalidade, ser um generalista assumido.
         Nosso século é único, diversificado, complexo, em rápida evolução. Embora enquanto seres humanos continuemos os mesmos, com as mesmas buscas e necessidades básicas de todas as gerações anteriores, o tempo foge, urge, ruge e avança. Como diz Calvino, o conhecimento nasce do embate entre a exatidão e a irracionalidade, entre a matemática e o caos. Exatidão, irracionalidade, matemática e caos são temas que só com multiplicidade o escritor consegue vislumbrar. A multiplicidade é a porta geométrica da alma. 

Palavras-chave: Calvino, Italo Calvino, Seis propostas para o próximo milênio, multiplicidade, literatura, big bang, swap, conhecimento, irracionalidade

 





Um comentário:

Carlos disse...

Italo Calvino foi um dos principais escritores do século XX, e este comentário faz jus á sua literatura. Parabéns a Luis Giffoni.