quarta-feira, 27 de maio de 2015

Brasas que nunca apagam

           Dizem que a vingança é um prato que se come frio. No entanto, esperar quarenta e um anos para fazer essa refeição não seria um prazo longo demais? Não é o que pensa o septuagenário general Henrik em relação a seu melhor amigo, Konrad. A amizade entre eles durante a juventude, quando frequentaram juntos a academia militar, tinha sido tão próxima que tangenciava o erotismo. Eram como gêmeos no útero materno. Depois de formados, trabalharam no quartel em Viena, até que Henrik conheceu Kriztina e se casou com ela. Durante uma caçada, o recém-casado, pelos sons e posição do amigo na mata, descobre que Konrad esteve para matá-lo. Horas depois, Konrad desaparece no mundo. Por quê?
          Ao montar as peças do quebra-cabeças, o general reconstrói os movimentos da esposa e do amigo, chega à conclusão fatal, refugia-se numa ala de seu castelo, nunca mais fala com Kriztina e aguarda o retorno de Konrad, que considera inevitável. Quarenta e um anos depois, quando há muito Kriztina tinha morrido, Konrad de fato volta. Henrik, que viveu para esse reencontro, está pronto para a vingança. Amor, amizade, honra, culpa, pudor, inflexibilidade ética e raciocínio lógico permeiam o desfecho.
          Se você deseja saber o que acontece aos dois amigos, precisa ler As Brasas, a fascinante novela do húngaro Sándor Márai. Guarde este nome, As Brasas, livro com menos de cento e setenta páginas no qual Sándor Márai esbanja talento na descrição de perfis psicológicos, costumes, cultura e ambientação durante os estertores do Império Austro-húngaro. A tessitura de mestre prende-nos a atenção, com revelações e surpresas página a página, em doses homeopáticas. A beleza da linguagem é mantida na tradução de Rosa Freire d’Aguiar.
          As Brasas queimam mesmo depois de virarem um quadro na parede.
             










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