Pode
uma casa ter vida, crescer e morrer como uma pessoa? Se você ler o romance Crônica da Casa Assassinada, do escritor
mineiro Lúcio Cardoso, a resposta é sim. Sim, pode. E com que maestria a casa
morre, acompanhando a decadência de seus moradores, uma família do interior
mineiro, os Meneses. Numa mistura de surrealismo, densidade de texto e
introspecção psicológica, trabalhadas em linguagem que muitas vezes beira a
poesia, Lúcio Cardoso joga-nos dentro de uma fazenda que guarda segredos
terríveis entre os parentes e os agregados que a habitam, lado a lado, nos
quartos ao longo de um corredor espremido entre a sala e a cozinha.
Incesto, morbidez, adultério, pesadelo
e violência entrecruzam-se de maneira velada, sutil, expressos em diários,
cartas e confissões, a partir da chegada da desconhecida Nina, mulher bonita,
manipuladora e extravagante que deixa o Rio de Janeiro para casar-se com um dos
Meneses, atraída e traída pela aparente riqueza da família. Nina desperta
paixão e inveja nos outros moradores. A tensão aumenta. Um aparente incesto
acontece. Relatos de testemunhas adicionam lenha à fogueira. O embate entre os
personagens gera reações que vão da febre amorosa ao ódio, da indiferença à
mentira.
Haja criatividade para manter
o texto num nível tão elevado, belo e angustiante. A casa é um complexo caso
psicanalítico, sem saída, cujo destino se superpõe ao de Nina, carcomida pelo
câncer e suas metástases.
O romance foi publicado em 1959. Faz,
portanto, cinquenta e seis anos que a obra encanta. Continua magnífica a Crônica da Casa Assassinada. Um
assassinato que nem Freud junto com Sherlock Holmes desvendariam.
6 comentários:
Realmente, Giffoni, essa chácara dos Meneses é inesquecível, assim como a fazenda da Menina Morta, de Cornélio Pena. São histórias íntimas de um Brasil agonizante, escritas com ossos, carne, sangue, suor e sabe lá o que mais atormenta os espíritos humanos!
Não li (ainda) o livro, mas sua crônica deixou-me curiosa. Suas palavras instigantes me fizeram ir ao site de sebos buscar o livro. Parabéns Luis.
Vera Carvalho assumpção
Lúcio Cardoso, curvelano de nascimento como sou por adoção: grande escritor, um tanto esquecido e bem lembrado aqui, em seu belo texto.
Caro Caio, hoje mesmo conversei sobre a Menina Morta, fazendo o mesmo paralelo com o |Alencar, da Quixote. Uma convergência de espíritos atormentados. Não há edições disponíveis da Menina Morta, sabia?
Que bom que o comentário a fez buscar o livro, querida Vera. Verá que a leitura vale a pena. Abraço
Bem lembrado, prezado Afonso, o Lúcio era curvelano. Perto de Cordisburgo. Aliás, Crônica e Grande Sertão saíram no mesmo ano.
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