quinta-feira, 28 de maio de 2015

O assassinato de uma casa e de seus habitantes

       Pode uma casa ter vida, crescer e morrer como uma pessoa? Se você ler o romance Crônica da Casa Assassinada, do escritor mineiro Lúcio Cardoso, a resposta é sim. Sim, pode. E com que maestria a casa morre, acompanhando a decadência de seus moradores, uma família do interior mineiro, os Meneses. Numa mistura de surrealismo, densidade de texto e introspecção psicológica, trabalhadas em linguagem que muitas vezes beira a poesia, Lúcio Cardoso joga-nos dentro de uma fazenda que guarda segredos terríveis entre os parentes e os agregados que a habitam, lado a lado, nos quartos ao longo de um corredor espremido entre a sala e a cozinha.
          Incesto, morbidez, adultério, pesadelo e violência entrecruzam-se de maneira velada, sutil, expressos em diários, cartas e confissões, a partir da chegada da desconhecida Nina, mulher bonita, manipuladora e extravagante que deixa o Rio de Janeiro para casar-se com um dos Meneses, atraída e traída pela aparente riqueza da família. Nina desperta paixão e inveja nos outros moradores. A tensão aumenta. Um aparente incesto acontece. Relatos de testemunhas adicionam lenha à fogueira. O embate entre os personagens gera reações que vão da febre amorosa ao ódio, da indiferença à mentira.
      Haja criatividade para manter o texto num nível tão elevado, belo e angustiante. A casa é um complexo caso psicanalítico, sem saída, cujo destino se superpõe ao de Nina, carcomida pelo câncer e suas metástases.

          O romance foi publicado em 1959. Faz, portanto, cinquenta e seis anos que a obra encanta. Continua magnífica a Crônica da Casa Assassinada. Um assassinato que nem Freud junto com Sherlock Holmes desvendariam.      

6 comentários:

Caio disse...

Realmente, Giffoni, essa chácara dos Meneses é inesquecível, assim como a fazenda da Menina Morta, de Cornélio Pena. São histórias íntimas de um Brasil agonizante, escritas com ossos, carne, sangue, suor e sabe lá o que mais atormenta os espíritos humanos!

Anônimo disse...

Não li (ainda) o livro, mas sua crônica deixou-me curiosa. Suas palavras instigantes me fizeram ir ao site de sebos buscar o livro. Parabéns Luis.
Vera Carvalho assumpção

Afonso Baião disse...

Lúcio Cardoso, curvelano de nascimento como sou por adoção: grande escritor, um tanto esquecido e bem lembrado aqui, em seu belo texto.

BlogdoLuísGiffoni disse...

Caro Caio, hoje mesmo conversei sobre a Menina Morta, fazendo o mesmo paralelo com o |Alencar, da Quixote. Uma convergência de espíritos atormentados. Não há edições disponíveis da Menina Morta, sabia?


BlogdoLuísGiffoni disse...

Que bom que o comentário a fez buscar o livro, querida Vera. Verá que a leitura vale a pena. Abraço

BlogdoLuísGiffoni disse...

Bem lembrado, prezado Afonso, o Lúcio era curvelano. Perto de Cordisburgo. Aliás, Crônica e Grande Sertão saíram no mesmo ano.