Existe muito modismo no campo material, mas no das ideias a
tolice campeia. Entre a divagação e a práxis, entre a tevê e o blog, entre o aqui e o além, entre o céu
e o inferno, entre o hedonismo e o estoicismo, há lugar para todo tipo de
asneira e quimera, defendidas por argumentos à primeira vista racionais. Por
mais estapafúrdia que seja a pregação, ela sempre consegue seguidores, da
limpeza étnica ao suicídio coletivo de uma seita em nome de uma nave espacial
escondida atrás do rabo de um cometa. O suicídio coletivo aconteceu há alguns
anos, a limpeza étnica ocorre ainda hoje.
Sandice, que não é privilégio de nosso tempo, quando investe
contra a natureza humana, costuma buscar o respaldo divino para consolidar-se.
Por exemplo, nos primeiros séculos da era cristã, o ascetismo era modismo,
incensado como o melhor caminho para chegar a Deus. A carne significava a
perdição: a mulher como um todo e o homem, da cintura para baixo, eram criações
demoníacas. São Paulo julgou o celibato superior ao casamento. Dois influentes
pensadores da época, Agostinho e Jerônimo, pregaram contra o ato sexual,
tachando-o de repugnante e sujo. Na mesma linha de repúdio, Tertuliano
considerou-o vergonhoso; Arnóbio, nojento e degradante; Ambrósio, podre. A
condenação sobreviveu através dos séculos, provocando desde a autocastração de
Orígenes até, durante a Era Vitoriana, o conselho de alguns médicos aos maridos
ingleses para procurarem prostitutas, porque o orgasmo pago seria menos
envolvente – menos pecaminoso, portanto – do que com as próprias esposas.
Aliás, Freud, vitoriano de formação, debruçou-se com exagero sobre o sexo
varrido para debaixo do tapete, reflexo de seu tempo. Libertou-se de totens e
tabus, mas criou outros.
Resultado do modismo da abstinência sexual: culpa para
milhões de pessoas. Todo psicanalista deveria acender, a cada dia, uma vela
para santo Agostinho e outra para são Jerônimo, agradecendo-lhes os clientes
dilacerados pelo confronto entre um instinto desenvolvido pela natureza durante
milhões de anos e uma filosofia incensada por meia dúzia de homens há meros
vinte séculos. O celibato, abstinência levada ao paroxismo, é contra a vida. Se
generalizado, mais louco que o suicídio de uma seita inteira em nome de um
cometa, mataria toda a espécie. Outro paradoxo: ainda o defendem no século 21.
Da boca para fora e da porta das igrejas para dentro. Controlar o ato sexual
alheio dá poder. Muito poder.
Ideias são produto de nossa mente, sujeitas, portanto, a
modismos, do esbanjamento à virgindade – há quem, no outro extremo, julgue a
pobreza e o tantrismo os grandes caminhos para a realização terrena. O ser
humano, apesar das cambiantes concepções de mundo que adota, tem sido o mesmo
em qualquer época. Basicamente, sobrevive e procria – em resumo, sobrevive para
procriar. Para facilitar a tarefa, criou as civilizações e as culturas. Ao
observá-las à distância, constatam-se as investidas contra as pessoas, as
crendices apregoadas, as milenares superstições que perduram, as hipóteses de
trabalho tornadas verdades, os delírios entronizados nas mídias, a falta de
senso crítico. Por mais cruéis e insustentáveis que sejam alguns pontos de
vista, jamais nos livraremos deles. Ainda bem. Isso se chama convívio,
tolerância. A diversidade faz a beleza do mundo – um mundo cheio de graça, por
sinal. Oxalá a graça do mundo não seja modismo.
2 comentários:
Como é que eu vivo sem sexo!!!!
Sandices e modismo em tempo em tempo!!! E quem diria, isso se procria por conta do sexo!!! Ou melhor dizer, por culpa do sexo? Nesse caso, "viva" a sandice ao prazer, por hora leviano, todavia, jamais impraticável!!!
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