terça-feira, 30 de junho de 2015

SERES FANTÁSTICOS

     Por amor à fantasia, invisto o tempo em histórias que arranco do baú da imaginação. Elas estão lá dentro dos miolos, quietinhas, à espera de um estímulo para eclodir. Ofício esquisito: quanto mais se delira, mais se é julgado competente. Tanto melhor. Estou no lugar certo.
     Toda mente precisa subtrair-se ao dia a dia, tirar o pé do chão, carece voar à frente do tempo. Por isso, o fantástico costuma preceder a realidade, quando não a inventa. Todos lutam para torná-lo palpável, quase sempre com êxito. Seres fantásticos nos cercam.
     Sou, contudo, um desafortunado. A fantasia coletiva me discrimina. Nunca vi as criaturas maravilhosas que pululam na Terra. Num cemitério, em noite de Lua cheia, sequer uma alminha penada me acudiu. Assombrações me deixaram a ver navios nos cafundós por onde andei.
     Dizem que o diabo sabe para quem aparece. Pois nunca apareceu para mim. Já pensou quanta crônica renderia essa figura anacrônica? Não é um azar dos diabos o meu? Na outra ponta do espectro, tampouco me adularam anjos, querubins, serafins e afins.
     A maior frustração, entretanto, foi nunca ter encontrado um ET, apesar de minhas dezenas de horas a olhar o céu. Não vi nem disquinho voador. Na noite escura, só me apareceram vaga-lumes, aviões, estrelas cadentes.
               Somos seres feitos de sonho. A falta de fantasia exterior talvez me obrigue a buscá-la dentro de mim. Donde o prazer de inventar histórias. A contínua procura, todavia, gera uma dúvida: existo ou me imagino? O espelho resolve a questão. Eu me vejo, logo existo. Reflito, logo existo. Meus quatro braços, três pernas, duas cabeças e estes nove olhos vermelhos comprovam. Sim, existo. 

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