quarta-feira, 24 de junho de 2015

Dilema do Brasil: inventar ou imitar?

Ao final da tarde de vinte e dois de setembro de 1786, na cidade italiana de Vicenza, reuniram-se cerca de quinhentas pessoas para discutir o que havia trazido maior proveito às belas artes, a invenção ou a imitação. Os defensores da imitação venceram, pois, segundo uma testemunha ocular dos debates, “não afirmaram senão o que a malta pensa, ou é capaz de pensar”. 
De repente, flagrei-me a pensar: o que é melhor para o Brasil, inventar ou imitar? Na cultura, submetemo-nos com frequência ao que vem de fora, copiando muita coisa supérflua e de mau gosto. Quem quiser exemplos folheie as revistas e os jornais, ou veja a televisão. Até parece que a inauguração de uma pracinha em Nova York e o aniversário de um ator em Hollywood são efemérides brasileiras, tamanho o espaço que ocupam. Isso é indigência cultural. Nessa toada, no dia em que a cadelinha da Casa Branca ficar doente, teremos vigília, velas, promessas e milhares de brasileiros cantando música cáuntri  em prol da saúde canina. 
          O antigo dilema, entra governo, sai governo, toma conta de Brasília: devemos importar ou desenvolver tecnologia própria? Repisam-se os argumentos costumeiros: não se deve reinventar a pólvora; é mais barato comprar know-how lá fora; nascemos, pela extensão climática e territorial, com vocação para a agricultura; devemos deixar esse negócio de tecnologia para os norte-americanos, chineses e japoneses, anos-luz à nossa frente. Existem, é claro, os paladinos da autonomia, defenestrados pela eterna alegação: não temos dinheiro – e tecnologia. E as decisões ficam para depois.
Em conseqüência, o fosso se alarga, e sucumbimos ao subdesenvolvimento. Quando nada, possuímos setores de ponta que pouco devem aos estrangeiros. Uma maneira de incentivá-los seria consumar o casamento entre a universidade e a indústria. Em outras palavras, transformar a pesquisa em patentes. Os chineses oferecem um caminho adicional. Copiam para exportar, de olho no exemplo anterior dos japoneses. Com o dinheiro arrecadado, desenvolvem as próprias novidades. Com tanta cara de pau, acertaram na escolha.
Inventar ou imitar? A questão continua aberta, porém Vicenza ainda pode lançar mais luz sobre ela. Em 1786, a cidade estava decadente após o auge no século 16, quando a ousadia de criadores como Palladio revolucionou sua arquitetura e a transformou em referência na Europa. Teria a ausência de ímpeto e força motivado o resultado do debate?
Por falar em ímpeto e força, a testemunha ocular citada foi Goethe. Em viagem pela Itália, ficou seduzido pela cultura peninsular, a ponto de escrever duas obras ditas italianas, Ifigênia e Torquato Tasso, sem contudo perder a identidade de autor. A história de Fausto tampouco é original. Alguém entretanto a separa de Goethe? Seu gênio fez da imitação uma invenção, criando uma obra-prima.
          A moeda, quando lançada, pode dar cara ou coroa. É preciso fazer a escolha, com toda a informação disponível. Se inventarmos apostar na parada da moeda em pé, aí sim teremos um problema. O Brasil ainda não sabe disso.

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