Dizem
que todo escritor tem suas manias. É verdade, temos sim. Falo por mim e pelos
colegas. Uns gostam de determinados temas, outros detestam certas palavras e
expressões, uns têm ojeriza a adjetivos, outros abominam somente os advérbios
terminados em mente, há os que fogem dos ditados populares, a maioria odeia
crítica.
O leitor também é escritor, pois
recria cada obra que lê. Posto de outra forma, aquilo que um autor escreve não
é necessariamente o que o leitor capta. Dez leitores terão dez diferentes interpretações
do texto. Assim, em cada romance, conto ou poema, coexistem muitos autores.
Talvez por isso o leitor também tenha suas manias. Conheço gente que escolhe
livro pela grossura, tanto pela falta quanto pelo excesso. Uma amiga só adquire
romances com mais de quinhentas páginas, um parente meu se amarra apenas em
volumes com menos de cem páginas. Há quem, por princípio, ame a autoajuda, quem
rejeite ensaios ou sonetos, quem prefira histórias com muito diálogo, quem leia
o livro de trás para a frente, quem somente o folheie, quem nunca passe da
orelha, quem adore diários. Nos Estados Unidos, onde há estatística para tudo,
descobriu-se que um terço das obras compradas nunca foi ou será aberta, pois
servem apenas de enfeite, para mostrar. Quem diria.
Um amigo meu considera cada livro um
ser vivo, com personalidade própria, até voz. Imagino sua casa à noite. De
repente, escapam gritos pavorosos da estante, mas ele nem liga, pois sabe que
vêm da Divina Comédia, provavelmente
do círculo infernal. Imagine, se a moda pega, a bagunça que as bibliotecas vão
virar. Imagine um livro sobre a Segunda Guerra Mundial tomando vida. Tiroteio e
bombardeio dia e noite. O que seria de nossa sanidade? Nunca mais dormiríamos.
Pois
é, leitor também tem suas manias, tão variadas quanto as dos escritores. A
ficção permite que a gente se aproprie da obra alheia e a transforme em coisa
nossa, com nosso tempero. Isso é ótimo. Com nossa marca, nossa idiossincrasia,
a leitura fica ainda mais prazerosa. De preferência, sem tiroteio.
2 comentários:
Excelente a crônica. Como escritora tenho as minhas manias. E como leitora, costumo ter, na cabeceira da minha cama, vários livros para ler conforme meu estado de ânimo. Cristina Agostinho.
Cada livro possui seu estado de alma. Que combina com o nosso, a cada dia. Uns possuem estado de alma múltiplo. Adaptam-se a vários humores. Os melhores ficam na cabeceira. Socorrem-nos todos os dias com sua beleza. è melhor ser leitor que escritor. O prazer é contínuo.
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