Meu nome é Washington. Vou fazer quinze anos. Vivo
de arrombar carro pra levar o som. Ataco sempre com um amigo. A gente põe o
joelho no vidro do passageiro, perto da maçaneta, puxa pra fora a parte de cima
da porta com as mãos ou um pé de cabra. É moleza. Porta de carro parece angu,
dobra na hora. Quando surge a fresta, enfio o braço lá dentro, destravo, abro, e
aí começa a correria. Tenho de tirar o som o mais rápido possível. Então
arrebento o console sem dó. Não posso demorar mais de um minuto e meio, senão
me ferro. O dono fica bravo duas vezes: tem de comprar porta nova e som novo.
Acho o serviço legal. Adrenalina pura. Cada carro é
um desafio diferente, a gente fica viciado, quer aumentar o risco, começa a
acreditar que é o melhor da praça, aí se estrepa. Então bom mesmo é pegar a
mercadoria bem depressa, arrebentando tudo, e sumir. A parte ruim é o preço que
eles pagam. Na loja, um som chique vale oitocentos, até mil. O receptador não
dá mais que cinquenta. É sacanagem, mas tenho de aceitar, senão vou vender pra
quem? De vez em quando, aparece um rico que foi roubado e quer repor. Aí eu
faturo até cem pratas.
No sábado, me dei mal. Eu e o Ratinho estávamos
começando um serviço, apareceu a frestinha na porta, enfiei a mão pra destravar,
aí apareceu um sujeito passeando com um cachorro policial, o covarde do Ratinho
se mandou, sem a força dele a porta voltou pra trás e eu fiquei preso pelo
cotovelo. Tentei de todo jeito me livrar, não consegui. A pressão no braço
começou a prender o sangue, fiquei com medo, então não teve jeito: comecei a
gritar socorro. Surgiu gente em tudo que é janela dos prédios no quarteirão.
Um minutinho depois, eu estava rodeado por umas
vinte pessoas. Uma velha berrava: “Esse bandido é o Washington, que me roubou
faz cinco meses. Até hoje tiro dinheiro da aposentadoria pra pagar o som que
você levou, viu, seu bandido? Esse aí, gente, não tem mais jeito, só bala
resolve”. Um gordo respondeu: “Matar um garoto por causa de um aparelho de som?
Em que mundo estamos, minha senhora? Pra isso existe a lei”.
Aí chegou o dono do carro, e o tempo esquentou de
vez. Quando viu a porta retorcida, ele quis me dar porrada. Uma mulher gritou:
“Se encostar a mão nesse menino, eu te denuncio. Ele é uma vítima dessa
sociedade cruel, desses nossos governos corruptos, da falta de emprego. Aposto
que ele rouba pra matar a fome!”. Senti uma pontada de importância. A dona
quase apanhou por minha causa. Claro que eu não disse pra ela que eu queria
mesmo é um tênis Nike, superlegal, que vi na televisão. Tão legal que eu tinha
de ter. Tinha de ter. Precisava pegar só uns sons pra comprar.
A patrulhinha da polícia me salvou. O sargento
desceu e foi logo dizendo: “Pô, Washington, você de novo?”. Ele fez que me
levava pra casa, mas, como não tenho casa, me soltou três ruas pra cima,
avisando: “Toma jeito, menino, senão ainda te enchem de bala”.
Fiquei sabendo que apagaram o Ratinho com onze furos
no fim de semana. Ele deu bandeira. Eu sempre achei que não tinha medo da morte,
porque minha vida não vale nada, mas agora sei que tenho medo sim. Não quero
acabar igual o Ratinho, mas não consigo parar de roubar, preciso da grana e da
adrenalina. Só de pensar, eu sinto um frio na barriga. O pior é que eu não sei
como sair dessa.
Pouco tempo depois que publiquei esta crônica, em 1998, Washington foi encontrado morto. Também tinha 11 perfurações de balas. Acabara de completar 15 anos. Hoje estaria com 33.
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