sexta-feira, 10 de julho de 2015

A ARTE DA BUSCA

 

 


        Os indianos desenvolveram a idéia, comum a vários povos, de que o verdadeiro mundo é o dos sonhos. A vigília não passaria de uma ilusão – ou maya. Entre os japoneses, os mortos continuam tão presentes que têm até um altar em casa. No dia a dia, marcamos as horas com precisão atômica, embora alguns teóricos neguem a existência do tempo. Na física quântica, duas partículas virtuais, separadas por milhões de anos-luz, reagem instantaneamente ao estímulo aplicado a apenas uma delas. Partícula virtual, aliás, é um fantasma que surge do nada, desde que o equilíbrio energético se mantenha. Em medicina, placebos bem recomendados costumam funcionar melhor que os remédios adequados. Milhões de pessoas acreditam que seu destino esteja nos astros, nos búzios, num pé de coelho, numa reza, numa relíquia de santo, numa promessa difícil ou em três batidas na madeira.
        Disso tudo surge a velha pergunta: o que é a realidade? Percebemos você e eu a mesma coisa? O mongol da estepe, o sherpa do Himalaia, o ianomâmi da Amazônia e o corretor de ações em Wall Street enxergam o mesmo mundo? O asceta e o cientista vivem em planetas diferentes? Quem possui o melhor ponto de vista? Antes disso, o que significa “melhor”?
        A compreensão do que acontece ao nosso redor constitui uma busca antiga, talvez infrutífera, balizada pela questão: nós descobrimos ou inventamos a realidade?
        A ciência, que se julga objetiva, acata muita subjetividade, desde a admissão de novidades por parte do establishment até o intransponível problema da limitação dos sentidos e do cérebro. Às vezes, parecemos criar a realidade de acordo com a nossa fisiologia ou anatomia. Vivemos num estado simultâneo de sim e não, palpável e onírico, como no dilema quântico do gato de Schrödinger, em que o felino pode estar vivo e morto, só resolvido quando um observador examina o animal de perto. Mas o que é o observador, senão a presença da subjetividade?
         A Teoria da Relatividade ganhou esse nome também porque se faz relativa ao observador. Entretanto, existem discrepância profundas entre ela e a física quântica, a ponto de se cogitar que uma das duas contenha falsas premissas. Ou ambas. Quando leio a respeito das seis, onze ou vinte e seis dimensões que comporiam o Universo, lembro-me do sistema ptolemaico e suas epicicloides que tentavam remendar uma concepção falida.
        Por outro lado, não podemos contar com forças sobrenaturais. Há séculos terminou a era da magia. Amuletos, poções milagrosas, palavras secretas e passes não alteram o curso dos eventos, assim como abençoar carteiras de trabalho não traz o desempregado de volta ao serviço. Tampouco dedicar-se a dogmas, dízimos e rituais garante saúde, dinheiro e felicidade.   
       A dúvida quanto à natureza da realidade tem enorme vantagem. Enquanto procuramos soluções, abrimos portas – e a vida se torna mais ampla, complexa, colorida, saborosa. Descoberta ou invenção, a busca da realidade é a suprema arte do ser humano.

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