sábado, 11 de julho de 2015

O MEU TEMPO

      No meu tempo, os verbos amar, gostar e querer estavam tão encobertos pela crosta da urgência, da competição e da luta pelo dinheiro, que ficavam relegados a segundo plano. Causavam mesmo certa descrença e vergonha quando abordados. Receava-se admitir a paixão e passar por démodé ou louco. No entanto, ao refletir por um momento, as pessoas queriam amar, gostar, querer – e apaixonar.
      No meu tempo, vencida a resistência inicial, em sua maioria as mulheres amavam os homens. A recíproca era verdadeira. Encontravam-se e desencontravam-se dentro das limitações do convívio. Cinderelas e príncipes encantados esforçavam-se para transformar sonhos em realidade. No meu tempo – isso era fundamental –, todos buscavam sonhos. Sem eles, ninguém vivia.
     Elas adoravam ser cortejadas. Algumas, da boca para fora, negavam. Outras ameaçavam acusações de assédio sexual, mas, na hora certa e na dose certa, rendiam-se aos galanteios. Afinal, conduzidos pela programação ancestral, eles e elas no fundinho só pensavam naquilo. O que, aliás, não era prerrogativa de meu tempo.
     No meu tempo, as mulheres temiam envelhecer, pois se cultuavam a juventude, as curvas perfeitas e um ideal de beleza que raramente acontecia na natureza. Inseguras, elas se esqueciam de que todas queriam amar, a feia, a bela, a magra e a gorda. Terrível palavra esta no meu tempo. Mais que cantada grosseira, mais que xingamento, chamá-las de gorda desmoronava a personalidade, demolia o ego, desestruturava a vida. Até as magras se julgavam obesas. Daí o cumprimento então em voga, meio ridículo, reconheço: “Como você emagreceu, querida!”. Adoravam ouvir isso.     
     Aliás, no meu tempo, todas adoravam ser ouvidas (eles também, reconheço). O atalho para a conquista passava pelo interesse genuíno em escutá-las. Em questão de minutos, eles compreendiam quão interessantes elas eram, e uma paixão de verdade com frequência acontecia.
     No meu tempo, os jovens tinham muitas certezas; os de idade mais avançada, nem tantas. Os primeiros queriam mudar o mundo; estes, mudar a si mesmos. Uns e outros raramente alcançavam o intento.
     No meu tempo, a vida era de uma simplicidade assustadora. Tão assustadora que se gastavam vidas na tentativa de adicionar-lhe teses, teorias, modelos, outras vidas.
     O meu tempo, desprovido do ufanismo e dos penduricalhos, era igual a todos os outros.

     O meu tempo é hoje.  

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