quinta-feira, 30 de julho de 2015

A ETERNIDADE, O POETA E O QUASAR

     A mente humana há muito se ocupa com a eternidade: se existe, o que significa, qual o caminho até ela. As eternidades são muitas, algumas bastante breves. Para diversos insetos, como as efeméridas que se tornam adultas no quarto minguante, a Lua cheia talvez seja o exemplo acabado do tempo infinito, pois morrerão antes do crescente. E para nós, o que é a eternidade? Uma espera aborrecida de uma hora no ponto de ônibus no meio da chuva, os dias que não passam entre um e outro encontro de amantes, um século, um milhão de anos?
      O título desta crônica não esconde uma mensagem cifrada. Li Po (701-762) é um grande poeta chinês da dinastia T’ang que conseguiu, através da justaposição inspirada de ideogramas, a ambiguidade de vários poemas sobrepostos em cada um deles, todos merecedores de permanência na memória comum da humanidade. Hoje, doze séculos após sua morte, ainda podemos captar seu estado de espírito em meio à natureza que tanto amou, na vizinhança da montanha Tai-t’ien:

“À margem do riacho, não escuto os sinos do meio-dia.
Bambus selvagens retalham o firmamento.
Cascatas dependuram-se no abismo verde.
Ninguém sabe por onde você anda.
Triste, busco apoio no tronco de um pinheiro”.

     Seria Li Po eterno?
     OQ 172 designa um dos mais distantes objetos celestes já detectados, um quasar nos confins do Universo, pertinho do Big Bang onde tudo nasceu. Sua luz partiu quando não existiam seres humanos, tampouco a Terra ou o Sol. A longa viagem avermelhou os fótons, enfraqueceu-os, tornou-os quase imperceptíveis. Eles testemunham, entretanto, uma experiência que ainda não compreendemos direito, a do espaço e do tempo condensados numa partícula ínfima que, à semelhança de um poema de Li Po, fomenta múltiplas interpretações. O quasar talvez não mais exista há bilhões de anos, porém só agora tomamos conhecimento de sua longínqua presença. É como descobrir ainda bebê um velho que já morreu.
      OQ 172 seria um símbolo do eterno?
      A eternidade não mora apenas na poesia ou na física, mas em tudo que nos encanta. A aventura humana, apesar de curta em termos cosmológicos, está cheia de exemplos. E a vida se torna mais prazerosa à medida que penetramos nos meandros dessa aventura. Cada pessoa que nos precedeu legou sua eternidade, e nossas próprias experiências construirão outras. Por que não viver com gosto, o nosso e o alheio?
      Em outro poema, Li Po acompanha um amigo que se afasta num barco:

“A sombra de sua vela solitária desvanece no vazio
Agora resta apenas o Grande Rio a caminho do céu”.
     
      Este Grande Rio talvez não consigamos entender durante a vida, porém Li Po e OQ 172 são trechos dignos de percorrer, nos quais a arte e a ciência – filhas gêmeas do gênio humano – nos ciceroneiam através de mundos novos e, ao mesmo tempo, antigos. Melhor dizendo, mundos eternos. 

6 comentários:

líria porto disse...

belíssimo - a leitura que eu procurava ara hoje - gracias!!!

líria porto disse...

para hoje!

Raul Drewnick disse...

Li Po, Tu Fu, esses sabiam das coisas. Também você, Luís.

BlogdoLuísGiffoni disse...

Li Po e Tu Fu, grandes amigos, sabiam das coisas. Eu, não.

Afonso Guerra-Baião disse...

Sua crônica nos conduz à dimensão poética do viver, onde, acima de tempo e espaço, podemos encontrar maravilhas como esses versos de Li Po.

gracarlilas disse...

Belíssimo! Obrigada por me proporcionar momentos de reflexão e pura poesia.