Sempre amarelo diante da página em branco. Ao encerrar o
dia sem uma linha aproveitável, avermelho. De raiva. Temo o esgotamento da
fonte, a incompetência, a chuva no molhado. Dar vida ao vazio do papel, ou
melhor, enchê-lo com um texto no mínimo razoável é o pesadelo do qual nunca me
livro. Persegue-me até depois que durmo. Sonhei com um robô que, ao ser
ligado, começava a escrever histórias e só parava quando estavam prontas, sem o
desgaste da procura de palavras, personagens, situações, enredos.
Robotizar a escrita seria uma solução para meu medo? Nunca. O invento acabaria
com o melhor da festa, o instante em que a cabeça e a ideia entram em fase, se
fundem, e o mundo se ordena. Ele me roubaria o momento da síntese, da captura,
do insight, o átimo de discernimento
que faz toda a diferença. Quem cria sabe como a sensação é prazerosa. Pode vir
de um poema, uma crônica, uma solução arquitetônica, um diagnóstico médico. O processo
culmina – ou apenas se inicia? – no mesmo eureka
neuronial.
De posse do esboço, como fixá-lo na tela do computador? Como transformar
lampejos em palavras, como transpor a rapidez da química mental para a lentidão
da escrita? Como agarrar a inspiração antes que escape? Como traduzir a
amplitude da emoção para a rigidez do símbolo? Como conduzir o estouro da
boiada para o curral do texto? Bem, nessa hora, não há berrante que ajude. Nem
berro. Não conheço outro caminho senão o da experiência e do erro. Cerca-se daqui
e dali, rodeia-se, fecha-se a porteira com muita rês do lado de fora. Invejo
quem consegue, na primeira investida, capturar o rebanho. Em desespero, concluo, às vezes, que jamais fui vaqueiro.
Livro pronto, enfrenta-se o editor, uma pessoa à procura
de obras-primas, ou melhor, bom entretenimento, ou melhor ainda, best seller. Coisa fácil, sem reflexão. Tece elogios para Michael Crichton, lamenta que o escritor
brasileiro não procure apenas divertir, acha-o muito literário. O leitor,
contudo, não é bobo. Sabe que a literatura significa muito mais que soltar
tiranossauro num parque.
Depois de publicado, o livro vai para uma feira, ao
lado de centenas de milhares de outros. A pergunta sempre me ocorre: há algo
que ainda não tenha sido escrito? Por que me dedicar à ficção num mundo
aferrado a realidades muitas vezes mais desvairadas que o romance mais
imaginoso?
Acredito que existem respostas. Cada autor traz uma
experiência exclusiva, sintetiza as visões anteriores do ser humano e
acrescenta o tempero da época em que vive. Deixa uma receita modificada, cujos
ingredientes recém-adicionados costumam ressaltar sabores já esquecidos. Além
disso, este século nunca aconteceu antes, portanto a obra é um testemunho de
nosso tempo para o futuro. Se vai ficar, não importa. Há que se escrever.
Já disseram que ser escritor é pior que praga de mãe. Não
concordo. É uma atividade como qualquer outra e proporciona prazeres
adicionais. Por exemplo, minha alegria neste momento, quando encerro a crônica.
O ponto final sempre significa uma vitória, de Pirro às vezes. Perco o amarelo
paúra, começo a recuperar a cor. Superei, de novo, a síndrome do papel em
branco.
Passo agora a pensar em sua confortável situação,
caro leitor. Você aprova ou rejeita o texto, para no meio, põe de lado, sem
levar em conta a energia despendida ou meu medo. Posso afirmar: escrever exige
mais esforço que ler. Mas há quem goste do ofício. Sou um desses.
Um comentário:
Eis que de repente percebo que o prazer de um texto compensa todos os escuros do caminho da escrita. Abraços.
Postar um comentário