Não
vejo qualquer conflito entre a arte e a ciência, duas ferramentas para
interpretar o mundo. Ambas se originam em nosso cérebro, sempre ocupado a construir
modelos para tudo, das galáxias a complôs para depor presidentes. O
artista enxerga o mundo de maneira diferente do cientista, porém um e outro
avançam nossa compreensão da realidade, realidade que foge entre
nossos dedos e logo será reinterpretada ou reinventada. Equações da física saem de moda com a mesma frequência que estilos literários. Somos volúveis como nuvens.
Trafegar com desenvoltura entre a arte
e a ciência é, para mim, um modo de aumentar a curtição da vida. Dobra-se a curtição, no mínimo. Às vezes, o resultado é maior que a soma das partes. Por isso,
prezo muito os autores com sensibilidade e, ao mesmo tempo, curiosidade
científica. Por exemplo, Italo Calvino. Ele se empolga tanto com o espaço cósmico
quanto com a neve que cai com suavidade nos Alpes. Uma prova é seu livro de
ensaios Seis Propostas para o Próximo
Milênio, escrito pouco antes de sua morte, em 1985.
Seis
Propostas para o Próximo Milênio talvez seja a obra mais criativa que
deixou. Um legado da alma. Uma herança da razão. Uma obra do cérebro. Um parto das mesmas células que nos fazem astrofísico ou escritor. Nele Calvino mostra como a leveza, a rapidez, a
exatidão, a visibilidade e a multiplicidade podem aumentar nossa percepção.
Graças a essas cinco qualidades, seu texto se aproxima da precisão científica, sem perder a sensibilidade artística.
Calvino funde no livro os dois
hemisférios do cérebro, cada qual a interpretar a realidade sob uma ótica
diferente, jamais incompatível. Ambos, no entanto, dispostos a nos proporcionar uma ideia mais abrangente da vida. Sobretudo de sua graça e de sua beleza. A graça e a beleza que, hoje em dia, tentamos encobrir.
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