O médico me garante que a maioria de nossos males
tem origem psicossomática. Talvez a totalidade, ele acrescenta. Do alto de sua
longa experiência, garante que pessoas felizes não ficam de cama. Para
comprovar a tese, relaciona tipos de personalidade com as doenças: os muito
exigentes ficam hipertensos, os nervosos contraem dermatoses, os obsessivos
desenvolvem câncer, os estressados sofrem acidentes cardiovasculares. A mente
tudo pode. Mente?
O médico não está sozinho. Muita gente acredita que
a mecânica newtoniana – a ação e a reação – se aplica à saúde humana com a
mesma precisão que às maçãs em queda livre. Li um artigo sobre os males que
acometeram pessoas famosas a partir da análise de suas cabeças, do tipo fulano
morreu assim porque era assado (assados morreram muitos, porque ousaram
pensar). Até parece que nossos miolos são imutáveis e possuem uma
característica única, sem direito à tristeza, estresse, euforia, obsessão ou felicidade
de vez em quando.
As listas de causa e efeito fazem as previsões de
doenças a posteriori. Nunca antes dos sintomas. Que mal contrairá o
desempregado que teme voltar para casa à noite e comunicar à família que nem
biscate conseguiu? Como será hospitalizado o executivo que adora desafio e
viciou em estresse? Posto de outra forma, por que uma senhora sem problemas
familiares e financeiros, simpática, segura da vida eterna, contraiu um câncer
que a matou com dores terríveis? Por que alguns bebês vêm ao mundo com
leucemia? Por que indivíduos assumidamente infelizes chegam aos noventa anos infelizmente (para eles) bem de saúde? A satisfação, o amor e o sucesso vacinam contra
o vibrião do cólera? Orgasmos múltiplos evitam a AIDS?
Enquanto o psicotudo se alastra, outros médicos
destrinçam o genoma e descobrem relações cada vez mais convincentes entre a
herança genética e o futuro da pessoa. Ou desvendam as reações químicas que os
parasitas usam para penetrar nas células. Ou fazem cirurgias nos fetos.
A mente humana é poderosa, porém não pode tudo. Como
disse Montaigne há séculos, ela cria milhares de deuses, mas não faz um rato. Com todo o
arsenal de hoje, consegue mudar os roedores a partir do código genético
existente. Criar mesmo, do nada, neca. Nem inteligência artificial. O mundo é
bem maior do que a nossa imaginação.
Olho para o doutor com desconfiança, ele insiste que
as gripes surgem através da queda imunológica devida ao estresse dos dias atuais.
Pergunto-lhe por que os vírus não padecem do mesmo mal – ou por que derrotam as
mentes psicologicamente equilibradas, bem tranquilas.
E mudo de médico.
Um comentário:
Leia "O Jogo da Vida e como Jogá-lo", de Florence Scovel Shinn.
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