Na década de 1960, no meio do deserto de Gobi, foram
encontrados os fósseis de dois dinossauros em plena luta, um com os dentes
cravados no pescoço do outro. Estavam tão ligados no combate que se esqueceram do
perigo maior que os rondava: a enorme tempestade de areia que os soterrou. Na
época, uns oitenta milhões de anos atrás, os mamíferos, pouco maiores que
ratazanas, ensaiavam os primeiros passos na escalada evolutiva. Prever, então,
a existência do ser humano seria um exercício de futurologia tão ingrato quanto
adivinhar hoje que espécie dominará a Terra daqui a outros oitenta milhões de
anos, se é que haverá uma. No entanto, qual dos animais existentes teria as
melhores chances de sobreviver?
A humanidade se atribui uma importância excessiva. Nossa
vaidade oscila entre o ufanismo por um mundo criado da noite para o dia para
nosso deleite à vergonha de contaminarmos e destruirmos o frágil ecossistema.
Os extremos demonstram que continuamos a medida de nós mesmos e, de quebra, do
resto. Encaremos a realidade: não somos o centro de tudo, tampouco o ponto ômega
da evolução. Somos uma espécie ainda amaciando o motor,
se comparada à quilometragem das baratas, matusaléns anteriores aos
dinossauros. Não temos um futuro certo e sabido, apesar do afinco que dedicamos
ao amanhã.
Gozamos, hoje, de vasto domínio sobre o planeta,
longe de ser absoluto como sugere muita gente. Nossas interferências
apequenam-se ante a força da natureza. Numa única erupção, o vulcão Pinatubo
poluiu a atmosfera mais que todos os automóveis e fábricas juntos. Um terremoto
de magnitude nove na escala Richter pode devastar mais que a soma dos arsenais
nucleares. Um acréscimo de apenas cinco por cento na produção de energia pelo
Sol bastará para nos torrar. Nossas bombas não seriam tão eficientes.
Atuamos no varejo, tanto para construir quanto destruir.
As espécies vêm e vão ao sabor de eventos que só podemos imaginar. Estamos
todos a bordo da Terra, abelhas, jabuticabeiras, enguias e seres humanos. Se
uma espécie não é, intrinsecamente, melhor que a outra, isso não significa que
devamos abrir mão de nosso apego à sobrevivência. Se apenas uma puder
subsistir, que seja a nossa.
Para incrementar nossas chances de êxito, sugiro um
respeitoso exame das baratas. Como disse, elas estavam por aí quando aqueles
dois dinossauros se engalfinharam no deserto de Gobi. Qual o segredo das
baratas? Covardes, fogem sem qualquer constrangimento ante um chinelo, não
são muito chegadas a elucubrações (exceto aquela do Kafka, bastante influenciada
pelo convívio humano), comem o que aparece, adaptam-se ao frio e ao calor e, a
julgar por seu número e tamanho em alguns bares e restaurantes brasileiros, não
correm perigo de extinção. Em suma, seu segredo é viver e deixar viver, receita
simples e eficiente, fácil de aprender. Sabem que a natureza, com suas
experiências evolutivas, é o grande laboratório. Estão sempre de olho no que
vem por aí. E chegam junto.
Eu apostaria nas baratas como a espécie com maiores
possibilidades de herdar a Terra no futuro distante. Afinal, possuem vasta
experiência com o planeta, não se encheram de ufanismos, respeitam as leis
básicas da vida. Convém seguirmos seu exemplo. A sobrevivência é o grande
prêmio que uma espécie pode ganhar. Às vezes, com toda a nossa sabedoria,
acho que ainda não aprendemos isso. Às vezes, com toda a nossa estupidez, acho que nunca aprenderemos.
5 comentários:
gosto de te ler - e viva o planeta das baratas!
Obrigado, cara Líria. O planeta é delas, as graúdas, as miúdas, as médias...
Muito boa! Como sempre.
Valeu. Obrigado.
Sua crônica é um barato!
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