domingo, 2 de agosto de 2015

À SABEDORIA DAS BARATAS, COM MUITO RESPEITO

     Na década de 1960, no meio do deserto de Gobi, foram encontrados os fósseis de dois dinossauros em plena luta, um com os dentes cravados no pescoço do outro. Estavam tão ligados no combate que se esqueceram do perigo maior que os rondava: a enorme tempestade de areia que os soterrou. Na época, uns oitenta milhões de anos atrás, os mamíferos, pouco maiores que ratazanas, ensaiavam os primeiros passos na escalada evolutiva. Prever, então, a existência do ser humano seria um exercício de futurologia tão ingrato quanto adivinhar hoje que espécie dominará a Terra daqui a outros oitenta milhões de anos, se é que haverá uma. No entanto, qual dos animais existentes teria as melhores chances de sobreviver?
     A humanidade se atribui uma importância excessiva. Nossa vaidade oscila entre o ufanismo por um mundo criado da noite para o dia para nosso deleite à vergonha de contaminarmos e destruirmos o frágil ecossistema. Os extremos demonstram que continuamos a medida de nós mesmos e, de quebra, do resto. Encaremos a realidade: não somos o centro de tudo, tampouco o ponto ômega da evolução. Somos uma espécie ainda amaciando o motor, se comparada à quilometragem das baratas, matusaléns anteriores aos dinossauros. Não temos um futuro certo e sabido, apesar do afinco que dedicamos ao amanhã.
     Gozamos, hoje, de vasto domínio sobre o planeta, longe de ser absoluto como sugere muita gente. Nossas interferências apequenam-se ante a força da natureza. Numa única erupção, o vulcão Pinatubo poluiu a atmosfera mais que todos os automóveis e fábricas juntos. Um terremoto de magnitude nove na escala Richter pode devastar mais que a soma dos arsenais nucleares. Um acréscimo de apenas cinco por cento na produção de energia pelo Sol bastará para nos torrar. Nossas bombas não seriam tão eficientes.
     Atuamos no varejo, tanto para construir quanto destruir. As espécies vêm e vão ao sabor de eventos que só podemos imaginar. Estamos todos a bordo da Terra, abelhas, jabuticabeiras, enguias e seres humanos. Se uma espécie não é, intrinsecamente, melhor que a outra, isso não significa que devamos abrir mão de nosso apego à sobrevivência. Se apenas uma puder subsistir, que seja a nossa.
     Para incrementar nossas chances de êxito, sugiro um respeitoso exame das baratas. Como disse, elas estavam por aí quando aqueles dois dinossauros se engalfinharam no deserto de Gobi. Qual o segredo das baratas? Covardes, fogem sem qualquer constrangimento ante um chinelo, não são muito chegadas a elucubrações (exceto aquela do Kafka, bastante influenciada pelo convívio humano), comem o que aparece, adaptam-se ao frio e ao calor e, a julgar por seu número e tamanho em alguns bares e restaurantes brasileiros, não correm perigo de extinção. Em suma, seu segredo é viver e deixar viver, receita simples e eficiente, fácil de aprender. Sabem que a natureza, com suas experiências evolutivas, é o grande laboratório. Estão sempre de olho no que vem por aí. E chegam junto.
     Eu apostaria nas baratas como a espécie com maiores possibilidades de herdar a Terra no futuro distante. Afinal, possuem vasta experiência com o planeta, não se encheram de ufanismos, respeitam as leis básicas da vida. Convém seguirmos seu exemplo. A sobrevivência é o grande prêmio que uma espécie pode ganhar. Às vezes, com toda a nossa sabedoria, acho que ainda não aprendemos isso. Às vezes, com toda a nossa estupidez, acho que nunca aprenderemos.  



5 comentários:

líria porto disse...

gosto de te ler - e viva o planeta das baratas!

BlogdoLuísGiffoni disse...

Obrigado, cara Líria. O planeta é delas, as graúdas, as miúdas, as médias...

Renato Perim disse...


Muito boa! Como sempre.

BlogdoLuísGiffoni disse...

Valeu. Obrigado.

Afonso Guerra-Baião disse...

Sua crônica é um barato!